Figura 1. As províncias de Portugal Continental (No canto superior direito localiza-se a província de Trás-os-Montes).
Figura 2. O município de Chaves e concelhos limítrofes.
Figura 3. As freguesias do concelho de Chaves. (Na freguesa de Oucidres localiza-se a aldeia de Vilar de Izeu).
Vilar de Izeu, juntamente com Vila Nova, é uma das aldeias pertencentes à freguesia de Oucidres, concelho de Chaves, distrito de Vila Real, Trás-os-Montes (Nordeste de Portugal Continental).
Figura 4. A localização da aldeia de Vilar de Izeu.
A aldeia de Vilar de Izeu situa-se nas extensas áreas planálticas, monótonas e quase nuas (despidas de vegetação arbórea), retalhadas por depressões e vales encaixados (estreitos e mais ou menos profundos) por onde correm alguns dos afluentes do rio Douro. Sobre estes vastos planaltos erguem-se alguns alinhamentos montanhosos elevados, de que são exemplos as serras do Marão, Padrela, Alvão, Montezinho, Bornes, Nogueira e Mogadouro.
Figura 5. Aspecto do planalto de Trás-os-Montes.
Em termos de estrutura agrária, os campos são normalmente pequenos, embora com dimensão média superior aos do Noroeste (cerca de 7 hectares), e desprovidos de vedações a separá-los entre si (campos abertos).
Figura 6. Os campos abertos típicos de Trás-os-Montes.
Nas áreas em torno da aldeia de Vilar de Izeu domina o sistema agrícola extensivo, em afolhamento bienal. Isto é, os campos, geralmente limpos (sem árvores), são divididos em duas folhas, sendo uma delas ocupada com cereais de sequeiro, como o centeio e o trigo, mas com predominância para o primeiro, enquanto a outra fica em pousio. Os cereais ocupam assim o primeiro lugar dentro das culturas temporárias, com realce então para o centeio, que ocupa mais de metade das explorações e da área cultivada. Note-se que o centeio é um cereal de terrenos pobres, acidentados, secos e pedregosos e de clima excessivo, de feição continental. É um cereal em que, em tempos, Portugal era auto-suficiente, pois a sua produção tem vindo a diminuir ao longo dos anos. É nesta região (interior nortenho) que se produz mais de 90% da produção nacional, salientando-se os distritos de Bragança, Vila Real, Guarda e Viseu.
No entanto, num anel mais ou menos largo a envolver a aldeia, a agricultura assume um carácter intensivo e policultural (várias culturas numa mesma parcela agrícola), nelas se dispondo as culturas mais exigentes e delicadas, como as hortícolas e a batata, que é necessário regar e estrumar abundantemente, e algumas árvores de fruto, destinadas principalmente ao autoconsumo.
Figura 7. Exemplo de policultura em redor de uma aldeia, como a de Vilar de Izeu, em Trás-os-Montes.
A batata cultiva-se na grande maioria das explorações, mas ocupa uma área não muito grande e, a sua produção tem vindo a diminuir. As explorações com culturas permanentes são bastante numerosas e ocupam uma área um pouco superior à das culturas temporárias. Salientam-se o olival, a vinha e os soutos (castanheiros). Também a vinha, onde outrora, em Vilar de Izeu, todos tinham os seus lagares e produziam o seu próprio vinho, tem vindo a diminuir, sendo hoje muito raro encontrar quem tenha lagares e produza para proveito próprio. Ao longo dos tempos, sempre foram os solos, geralmente pobres e acidentados e o clima relativamente excessivo, que dificultaram, no seu conjunto, as actividades agrícolas e pecuárias.
Em relação à pecuária onde a água o permite, desenvolvem-se as pastagens e cria-se o gado suíno e bovino. Antigamente, nesta aldeia e, para a maioria dos pequenos agricultores, as máquinas agrícolas, no sentido moderno do termo, praticamente não existiam. As terras eram lavradas com arados recorrendo-se à força de tracção animal, usando-se para isso os bois, cavalos, burros ou mesmo mulas. Na preparação da terra, muito do trabalho era essencialmente manual, com a utilização da enxada, o que exigia muita mão-de-obra, quase sempre constituída pelo agregado familiar ou alguns assalariados, e um enorme esforço físico dos homens e mulheres. Apenas os animais de tracção, sobretudo o boi, puxando o arado, a charrua e a grade, constituíram e constituem ainda preciosos auxiliares nesta operação cultural. Antigamente, os produtos agrícolas eram transportados, do campo para casa e vice-versa, em carros de bois, mas havia também quem os transportasse no seu próprio corpo (meio pessoal ou lombar).
Também, em tempos mais remotos, quando, na aldeia, alguém tinha um trabalho mais pesado, isso era divulgado de boca em boca e essa pessoa sabia antecipadamente que não precisava de pedir ajuda pois ela iria aparecer.
Figura 8. A malha (debulha) manual do centeio em Trás-os-Montes.
Os trabalhos mais pesados, como a vindima, o arranque das batatas, a sementeira, a recolha dos fenos, a segada (ceifa) ou a malhada do centeio (separação do grão da palha) eram trabalhos que envolviam muitos meios humanos. Actualmente a máquina veio substituir muitos desses meios.
Constituição geológica:
As vias de comunicação, apesar de muitos melhoramentos são, no contexto nacional, raras e más (Vilar de Izeu encontra-se a uma distância de: 17 Km para Leste da sede de Concelho (a cidade de Chaves); 52,1 Km para Oeste da cidade de Bragança; 62,7 Km para Nordeste da cidade de Vila Real, e a 126,9 Km para Nordeste da cidade do Porto. Relativamente ao país vizinho (Espanha), Vilar de Izeu localiza-se a 121 Km para Sudeste da cidade de Vigo e a 156,2 Km para Su-Sudeste da cidade de Santiago de Compostela.
O isolamento imposto outrora a Vilar de Izeu bem como a outras aldeias pela deficiência das vias de comunicação que as ligam ao resto do país, a pobreza e o carácter acidentado do solo, a dureza do clima aliado à sua secura e a resistência tenazmente oferecida à influência das formas de vida moderna explicam, pelo menos em grande parte, que a região do Nordeste seja uma das regiões portuguesas de mais baixo nível socioeconómico, onde a estagnação é ainda uma realidade indiscutível, o que se tem reflectido num permanente êxodo da sua população quer para as regiões do litoral quer para o estrangeiro. Oucidres, a freguesia onde se insere Vilar de Izeu, conta actualmente com um número de habitantes inferior a 300 e a aldeia com um número inferior a 50.
Figura 10. Exemplo de desertificação no Nordeste Transmontano.
Estas como muitas outras aldeias, enchem-se de vida somente no mês de Agosto, altura do regresso de férias de muitos dos emigrantes. É também neste mês que ocorrem as tradicionais festas populares, muitas delas, em honra dos seus compatriotas que foram, outrora, forçados a migrar para poderem sobreviver. Em Vilar de Izeu ocorrem também neste mês de Agosto as festas em honra do seu santo padroeiro: São Tomé.
Figura 11. Casa de granito típica de Vilar de Izeu. (Actualmente esta casa encontra-se alterada, fruto da modernidade, não apresentando a varanda que se observa na figura).
O povoamento rural, dominante nesta região, é o concentrado. A aldeia de Vilar de Izeu é um exemplo disso. É uma aldeia pequena como muitas outras, com as casas de granito (excepto as mais recentes, todas muito juntas) uma vez, que o carácter acidentado do terreno dificilmente comportaria aldeias muito grandes. Porém, como antigamente a terra era (e ainda continua a ser, embora cada vez menos) explorada em regime comunitário, também isso favoreceu a concentração da população em aldeias para maior facilidade de realização dos trabalhos agrícolas comuns.
Outras construções que se podem visitar em Vilar de Izeu: para quem se desloca de Oucidres para Vilar de Izeu pode observar à entrada da aldeia uma fonte centenária, construída em granito, (a fonte de “Rigueiros”) onde outrora as raparigas quando iam buscar água aproveitavam para namoriscar os rapazes. Também nesta fonte, as mulheres da aldeia aproveitavam a água para lavarem a roupa, costume que se perdeu por completo até porque o sítio onde elas lavavam os corpetes e os aventais, infelizmente já não existe. À saída da aldeia e a caminho de Bobadela existe também outra fonte, conhecida no antigamente como a fonte de “Bobadela” apesar da mesma pertencer a Vilar de Izeu. Estas duas fontes foram actualmente recuperadas e mostram um pouco dos antepassados desta região. Uma outra fonte, a da “Pipela” na “Corôa da Quinta” como se chama lá na aldeia, infelizmente não mereceu ainda o mesmo tratamento das anteriores, mas nem por isso deixa de ter a mesma beleza. Um outro local também interessante e que mostra como os mais antigos se deslocavam para buscarem água límpida para o seu consumo é o chamado “Poço da Quinta” com vários degraus, por vezes submersos, que as pessoas tinham de descer até atingirem esse bem tão precioso. Infelizmente, hoje encontra-se tapado por uma grade e bastante degradado. Quanto às belezas naturais, destaca-se, no meio de algumas árvores, um imponente carvalho, no meio do sítio designado por “Salgueiro” a caminho de Oucidres, onde muitas vezes os agricultores, em dias bastante soalheiros, se deslocavam afim de aproveitarem a fresca sombra e aí merendavam e descansavam um pouco antes de voltarem às ceifas ou à apanha da batata. Esta árvore, actualmente com mais de sessenta anos surgiu neste local duma forma bastante hilariante. Conta-se que há sessenta e poucos anos uma mulher ao casar-se foi morar para a terra do marido. Apesar de não saber trabalhar no campo, acompanhava sempre o seu marido e, sentada no chão ali ficava a observá-lo. Um dia ao encontrar uma bolota, pegou nela e fez um pequeno buraco na terra e enterrou-a. Curiosamente, pouco tempo depois eis que uma pequenina árvore aflorava à superfície tornando-se hoje naquele que é conhecido por todos em Vilar de Izeu como o carvalho do “Salgueiro” um dos mais imponentes da região.
Vilar de Izeu, apesar de ser uma pequena aldeia transmontana já teve tempos áureos onde a juventude era uma constante. Hoje, os tempos mudaram, mas convém não esquecer os costumes e usos outrora vividos pelos antepassados da aldeia. Aqui ficam algumas das características duma vivência que remonta às primeiras décadas do século XX:
- Quando se queria pão recorria-se ao chamado forno do povo que era partilhado por todos os habitantes da aldeia;
- Quando um vizinho precisava de ajuda para as segadas, todos na aldeia uniam esforços e formavam um grupo para o ajudar, formando a chamada “camarada”;
- Terminadas as segadas, dava-se início às “acarrejas” que consistiam no transporte do centeio para as eiras, locais onde o cereal iria ser debulhado ou malhado;
- O cereal que ficava espalhado pelos campos era colocado em pilhas gigantes em forma de pirâmides e às quais se dava o nome de “meda”;
Figura 12. A eira e o palheiro (típicos da região de Vilar de Izeu), actualmente em vias de desaparecimento total.
- Nas malhadas também os mais pequenos podiam participar cumprindo as tarefas que lhes eram previamente definidas;
- Antigamente produzia-se o linho que depois era trabalhado e dava origem a tantas peças magníficas de artesanato. Hoje, essa cultura encontra-se em total declíneo;
- Antigamente a matança do porco era um dia de festa. Actualmente este hábito continua, mas a alegria associada a este evento foi-se perdendo;
- A vindima era feita em grupo, mas todos tinham lagar onde produziam o seu próprio vinho. Outrora, a apanha das uvas era efectuada para pequenos cestos que depois de cheios eram despejados em “barleiros” (cestos maiores), que por sua vez eram despejados em dornas. Terminada a vindima, era necessário pisar as uvas já colocadas no lagar. Este trabalho era geralmente realizado à noite pelos homens, enquanto as raparigas bailavam e divertiam-se ao som da concertina;
- Os habitantes da aldeia não usavam sapatos, mas sim as socas (tamancos), especialmente no Inverno, e que eram construídas em madeira. Assim mantinham sempre os pés bem quentinhos;
- Os trabalhos domésticos ou caseiros eram organizados pela comunidade feminina da aldeia, mas muitas das tarefas a realizar em prol do bem-estar da aldeia eram discutidas e aprovadas pela comunidade formada pelo próprio povo. Estas tarefas eram geralmente adaptadas às necessidades da aldeia e todos as cumpriam de igual forma,
- Não se falava de política pois era extremamente perigoso fazê-lo e, como tal, era proibido tocar nesse assunto;
- Outrora não existia televisão e as notícias passavam de boca em boca, mas se fossem divulgadas na igreja então eram aceites como verdadeiras;
- Não existindo televisão, tanto os jovens como os adultos distraiam-se, os primeiros com as suas brincadeiras e os segundos com os jogos, hoje apelidados de populares;
- As crianças divertiam-se fazendo a corrida das rodas, jogando a “bilharda” ou ao pião, entre outras brincadeiras;
- Os adultos gostavam muito de jogar o “Fite” um jogo parecido com o jogo das malhas, mas com regras diferentes. Actualmente existem ainda aldeias do concelho de Chaves onde se organizam torneios de “fite”. Também se jogavam as “gralhas” (um jogo parecido com o “fite”) e a “malha ferrinha”, entre outros;
- O souto (castanheiro) era e continua a ser uma presença viva em torno da aldeia. As castanha sempre fizeram parte do quotidiano dos seus habitantes. Porém, antigamente, era costume alguns rapazes deslocarem-se ao campo e fazerem uma cova onde colocavam algumas castanhas envoltas em areia seca, sendo a cova tapada por folhas e terra. Este método permitia conservar, durante alguns meses, estas castanhas frescas e prontas a serem usadas a qualquer momento. Assim, quando chegavam os meses de Maio ou Junho já ninguém, na aldeia, possuía castanhas nem sonhava podê-las encontrar noutros locais. No entanto, quando já ninguém acreditava, eis que uma espécie de milagre acontecia e esses rapazes apareciam com as castanhas que tinham escondido, revelando o mistério e fazendo um enorme magusto para todos;
- Por altura do ano novo, mais propriamente no dia 6 de Janeiro (dia de Reis) as crianças formavam grupos que ordeiramente, com uma sacola às costas, batiam a todas as portas dizendo” Boas Festas e Bom Ano, darão-nos os Reis” na esperança de receberem algo em troca. Os sacos normalmente enchiam-se de produtos que eram produzidos pelos donos das casas, como por exemplo: maças, figos secos, castanhas, nozes ou até mesmo rebuçados;
- Na altura da Páscoa, havia, geralmente, bailes que eram muito animados e onde se juntavam pessoas oriundas de outras aldeias;
- No Entrudo (carnaval) não existiam corsos carnavalescos, máscaras e nem samba. Cada um mascarava-se como podia. Geralmente os homens disfarçavam-se de mulheres e vice-versa. A cara era usualmente tapada com panos ou rendas. Ao início da noite, haviam adultos que se mascaravam e percorriam todas as casas da aldeia cumprimentando os seus proprietários, mas sem proferirem uma única palavra. Só após o términus deste evento se ficava a saber afinal quem era quem.
Com este artigo, pretendeu-se dar a conhecer um pouco da história (passado e presente) de Vilar de Izeu, uma entre muitas outras aldeias, por vezes esquecidas, mas que encerram em si um passado bastante rico e uma beleza por vezes rara, aspectos estes aos quais nem sempre se dá a devida importância.
Vilar de Izeu é de facto uma aldeia muito pequena, mas que merece e vale a pena ser visitada.
2 comentários:
Inesplicavelmente emocionante,pois.Meus avós vieram desta região e para mim é uma viagem(virtual),porém muito bela e aprazível.
A minha avó .o pai dela era delá ,ela não cansava de comentar sobre essa terra,eu também só a conheço virtual,mais me emociono.Sobre a vida dele,é uma lembrança saudosa.
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